1824: ano que marca o início da vinda dos
imigrantes alemães para o Rio Grande do Sul. Abordar esse tema é sobre tudo
entender as necessidades da colonização no território sulino e a situação em
que se encontrava a Europa nos diferentes momentos da imigração alemã. Não
podemos generalizar e entender a imigração iniciada no século XIX com os mesmos
objetivos da que se estendeu até os anos 20 de século XX. É preciso ir além, e
estudar a Europa nos períodos em que se pretende analisar.
Ao tratar o século XIX na Europa é
preciso considerar que não havia uma nação alemã e nem um estado alemão com
fronteiras e limites de dimensões políticas. Nesse aspecto entendia-se por “alemão” o individuo oriundo
de uma raça e não de um país. O que os
identificava era a divisão
cultural e não a
divisão política. O processo de
formação do
estado alemão se
desenvolveu durante o século
XIX com avanços
e recuos, inclusive com “distinto
posicionamentos das duas igrejas –
a católica e a
protestante”.
(PICCOLO, In: CUNHA, 2004, 99).
A vinda de estrangeiros
para o Brasil representava o processo de expansão do capitalismo a nível
mundial. Nos países europeus o capitalismo gerou a acumulação de capital, a
expulsão do camponês da terra e a desarticulação do trabalho artesanal,
ocasionando assim um excedente populacional sem trabalho e sem terra. Para
ilustrar a situação em que viviam os alemães, tomaremos como exemplo os motivos
em que foram alegados por Peter Lauck em seu requerimento de emigração no ano
de 1879, publicado no livro 1000 Jahre Hasborn – Dautweiler, traduzido por
Jorge Luiz Lauck:
“Eu e o filho mais velho trabalhamos nas minas, o pai é
alcoólatra, a mãe e os irmão mais novos cultivam a terra que nada mais dá,
falta perspectivas de melhoras, tenho vontade de juntar-me a outros familiares
que já emigraram para o Brasil.” (LAUCK, In: BENFICA, 2000, 259).
Devemos analisar também o
ponto de vista da pátria que recebe esses imigrantes, no caso o Brasil do
século XIX e em particular o Rio Grande do Sul. No Brasil é o momento que se
inicia a preparação da transição da mão de obra escrava para a mão de obra
assalariada. A Inglaterra desde os tratados de 1810 pressionava o Brasil para
acabar com a mão de obra escrava e ingressar de vez no mundo capitalista. No
que tange o Rio Grande do Sul havia a necessidade de impulsionar a economia
local e firmar a província como o “celeiro
do país”. A visão do Império sobre a província sulina gerava
preocupação pela
sua militarização.
Ao enviar imigrantes alemães
para a região
sul do Brasil o Império
estaria também
neutralizando as oligarquias regionais.
A região do hoje Município
de São Leopoldo foi a primeira a receber imigrantes alemães em 25 de julho de
1824, instalados na Real Feitoria do Linho Cânhamo, uma antiga fazenda de
propriedade do Império do Brasil. Mas o projeto colonizador espalhou imigrantes
alemães por todo do vale do rio dos sinos, planalto e até mesmo Litoral
Norte. Estabelecidos em lotes que em 1824 eram de 77 hectares e em 1848 passou
a ser de 48 hectares os imigrantes alemães abriram picadas na mata e viveram
inicialmente da economia de subsistência, cultivando vários produtos. Com a
venda do excedente essa economia colonial imigrante gerou uma atividade
lucrativa para o abastecimento do mercado interno: o comerciante. Sendo São
Leopoldo a colônia mãe que concentrava o comércio e possuía ligação direta com
a capital Porto Alegre, via rio dos Sinos e rio Jacuí, o seu desenvolvimento
passou a acumular riquezas aos comerciantes. Era a afirmação do capitalismo no
Rio Grande do Sul desenvolvida pelos imigrantes alemães. Vejamos o que afirma
Sandra Jatahy Pesavento:
“O comerciante alemão foi o elemento que se destacou no
mundo colonial. Lucrava sobre a produção agrícola mediante a diferença obtida
pelos produtos na colônia e em Porto Alegre; lucrava com o transporte das
mercadorias da colônia à capital e da capital para colônia; lucrava ainda com
as operações financeiras de empréstimo e a guarda de dinheiro, o que lhe
oportunizava um capital de giro para investir” (PESAVENTO, 1980, 37).
Após analisar as origens e os motivos da
imigração alemã no Rio Grande do Sul no século XIX e contextualiza-la no
cenário nacional e internacional é preciso estabelecer recortes no que tange as
colônias e seus diferentes tempos e espaço. O estudo aqui proposto estabelecerá
dois recortes dentro do vasto universo de pesquisa que é a imigração alemã. O
primeiro recorte terá como baliza temporal o ano de 1829, por tanto dentro do
contexto da imigração no século XIX, com a criação das colônias de Três
Forquilhas e São Pedro no distrito de Torres, então Município de Santo Antônio
da Patrulha. O segundo recorte abordará um dos últimos grupos de imigrantes
alemães que nos anos 20 do século XX estabeleceram-se em Rolante, também a
época distrito de Santo Antônio da Patrulha. O principal objetivo é mostrar as
diferenças de contexto histórico entre esses dois espaços de tempo e
interpretar a imigração alemã como um processo que atravessou o I e o II Reinado
do Império e continuou após a proclamação da república. Sobre tudo não foi
somente o governo, imperial e republicano que fomentou a imigração, também as
igrejas católicas e protestantes fizeram parte desse processo. Vamos aos casos
proposto para análise:
O primeiro recorte proposto direciona o
olhar para as colônias de Três Forquilhas e São Pedro criadas em 1826 no extremo
norte da região litorânea do Rio Grande do Sul. Embora os dois núcleos fossem
considerados como uma única colônia a divisão foi realizada por credo
religioso. Dessa forma, os protestantes foram encaminhados para Três Forquilhas
e os católicos para São Pedro. Não é objeto desse estudo interpretar os motivos
que levaram a essa divisão. Documentos da época apontam que a divisão foi
necessária em razão do grande número de famílias e das fortes chuvas, o que
seria impossível assentar tantas famílias nas terras destinadas com as cheias
dos rios. Mas o assunto merece análise específica e está a carecer maiores
estudos. O objeto dessa análise visa estabelecer os motivos quanto a
localização desses dois núcleos coloniais.
Do ponto de vista econômico, Três Forquilhas
e São Pedro constituíram-se desvinculadas das demais regiões coloniais,
identificadas pela distante localização e pela densidade das florestas que
ocasionavam a impossibilidade do elemento produtivo. Enquanto a região do vale
do rio do Sinos e demais regiões foram beneficiadas pelo elemento geográfico
para escoar sua produção, os imigrantes da região do litoral viram-se obrigados
a atender apenas as necessidades da própria colônia. Ao pesquisar a imigração
alemã Jean Roche considerou a região como a “mais pobre das áreas teuto-brasileiras” (ROCHE, 1969). Também a historiadora Nilza Huyer Ely afirma que os alemães do vale do Rio Três Forquilhas “foram jogados a mercê de sua própria sorte, numa das
regiões mais
ricas e mais belas do estado, como se por si só bastassem para o desenvolvimento da colônia” (ELY, In: Ely,
1996).
As respostas a esse isolamento das
colônias alemãs do Litoral Norte encontramos na Portaria Imperial de 01 de
julho de 1825 a qual determinava que:
“Os colonos alemães que mais houverem, sejam acomodados
ao longo da estrada nova que se acha por se fazer praticável, entre o
presídio das Torres e os habitantes de cima da serra preferindo-se porém ,
sempre a ponte que mais se avizinhar a Província de São Paulo “ ( IOTTI, 2001, 86) (Grifo nosso)
Fica clara a preocupação do Império
Brasileiro as fronteiras de uma região em que o Brasil herdou de Portugal após
anos de conflito com a Espanha. Percebe-se também que a imigração alemã tomou
proporções descontroladas, uma vez que essa determinação enviava imigrantes
para uma região ao “longo
de uma estrada que se acha por fazer praticável”.
Não havia uma
estrutura para receber os imigrantes alemães. Os que foram enviados para a Real Feitoria, hoje
São Leopoldo,
ocuparam em dois anos a região,
os que foram enviados para a região
litorânea tinham
uma dupla missão:
desenvolver economicamente uma região
abandonada pelo império
e pela província
e defender a fronteira de entrada para o centro do Brasil.
Passamos
agora ao segundo objeto de estudo, deslocando nosso olhar da região de Torres
para o Município de Rolante e do século XIX para o século XX, no período de
1924 a 1927.
Rolante, hoje Município, emancipou-se de
Santo Antônio da Patrulha em 1955. No final do século XIX passou a receber
descendentes de imigrantes alemães vindos das antigas colônias em busca de
novas terras. A partir de 1888 foi criada a Colônia de Villa Nova abrangendo
toda a região do Rio dos Sinos, entre a foz do Rio Rolante e a do Rio Caraá, no
território do Município de Santo Antônio da Patrulha. Entretanto, Villa Nova
não era apenas uma colônia de imigrantes alemães, mas sim uma colônia mista
para onde foram destinados imigrantes italianos, austríacos, poloneses, russos
e alemães. Embora sendo uma colônia de diferentes raças, havia uma divisão em
seções e em linhas, sendo que os alemães foram encaminhados para as seções
Quilombo, Baixa Grande, Canta Galo, Bocó e Fraga:
Assim, a região foi
colonizada também por alemães que fizeram parte na construção do distrito. As
religiões, católica e protestante, logo se fizeram presentes, ambas com forte
atuação. Com relação a religião católica, a Cúria Metropolitana de Porto Alegre,
firmou convenio em 1922 com os Missionários da Sagrada Família. Nesse mesmo ano
criou a Paróquia Nossa Senhora da Conceição em Rolante, enviando para lá os
missionários da Sagrada Família, entre eles o Padre Jorge Anneken.
O Padre Anneken se preocupou com o avanço
do protestantismo entre os imigrantes e descendentes de imigrantes alemães e
começou a intermediar a vinda de novos imigrantes alemães que fossem, sobre
tudo, católicos. O que realmente aconteceu no período de 1924 a 1927, onde 30
famílias num total de 251 pessoas vieram da Alemanha para se estabelecerem em
Rolante. Não era uma imigração fomentada pelo estado e sim pela igreja católica
e pelo próprio Padre Anneken.
No contexto internacional a Alemanha
encontrava-se no período após a primeira guerra mundial, onde ficou destruída e
com extremas dificuldades de inserir novamente seus filhos na economia
nacional. No plano regional o que estava em voga era a firmação da igreja
católica enquanto instituição que pretendia atuar em uma região de colonização
alemã onde o protestantismo era o credo religioso com maior número de adeptos.
A região de origem dessas 30 famílias
imigradas nos anos 20 do século XX era a região de Oldenburg, mesma região em
que nasceu o Padre Anneken. Foi nos seus compatriotas que o sacerdote buscou a
alternativa para marcar a sua atuação e via de regra o do próprio catolicismo.
Essa situação fez o Padre e os imigrantes possuírem e estabeleceram uma dúbia
relação de pátrias, a de origem = Oldenburg na Alemanha e a de estabelecimento =
Rio Grande do Sul, no Brasil. A relação com a pátria mãe em meio à pátria que
os recebeu foi tão forte que esses alemães ficaram conhecidos como os “Oldenburguenses”. Vejamos o que nos
dizem estudos anteriores sobre a situação da Alemanha nesse período:
“Oldenburg era a sede de um ducado, que se tornou
estado com a República de Weinar, situado no norte de Alemanha. A região também
foi duramente atingida pela primeira Guerra Mundial fazendo com que diversas
famílias emigrassem para os Estados Unidos e para o sul do Brasil” (LAUCK, In: Ely, 2003, 116).
Os dois estudos aqui propostos, embora
tenham caráter ilustrativo, inserem-se dentro do amplo universo de pesquisas
que é a “Imigração alemã” no Rio Grande do
Sul, embora com origens, motivos, contextos e períodos divergentes na sua totalidade. Mesmo assim
buscou-se traçar
paralelos entre um grupo do início
e um grupo do final de imigração.
Não só o estado buscou na
imigração a
alternativa para a construção
de uma economia colonial que o fomentasse, mas também a igreja, neste estudo a católica, viu nos
imigrantes alemães
o recurso para impor a sua catequização.
Um século depois
da chegado dos primeiros imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, o projeto colonizador ainda
deslocava contingente oferecendo “esperanças” na nova terra.
Contudo, períodos
diferentes e interesses econômicos
e religiosos a parte, em plano geral o que fez todos imigrantes iguais entre si
foi a sua própria
cultura. Hoje a herança
cultural dos alemães
é uma constante
no Rio Grande do Sul. Souberam eles, atender as necessidades que lhes foram
delegadas e ainda impor a sua cultura de origem na formação do caleidoscópio cultural do Rio Grande do Sul.
REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
CUNHA, Jorge Luiz. Os
alemães no sul do Brasil. In: CUNHA, Jorge Luiz (org). Cultura Alemã – 180 anos = Deustsche seit 180 jahre. Edição
Bilíngüe. Porto Alegre: Nova Prova, 2004. Páginas 15 a 27.
ENGEL, Johann. 1000 Jahre Hasborn
– Dautweiler. In Auftrag der Gemeinde Hasborn – Dautweiler, 1964.
ELY,
Nilza Huyer e BARROSO, Vera Lúcia (orgs.). Imigração
alemã, 170 anos, vale do Três Forquilhas. Porto Alegre: EST, 1996.
IOTTI, Luíza Horn (org.). Imigração e colonização: legislação de 1747
a 1915. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Estado do RS. - Caxias do
Sul: EDUCS, 2001
LAUCK,
Fernando Rocha. Família Lauck: Da
Alemanha para o Rio Grande do Sul. In: BENFICA, Corália Ramos (org.). Santo Antônio da Patrulha Re-conhecendo sua
história. Porto Alegre: EST, 2000. Páginas 258 a 264.
LAUCK, Fernando Rocha. Rolante: núcleo de colonização alemã,
distrito de Santo Antônio da Patrulha. In: Ely, Nilza Huyer (org.). Torres – marcas do tempo: II simpósio sobre
imigração alemã no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST,
2003. Páginas 112 a 122.
MÜLLER, Telmo Lauro (org.). 175 anos de imigração alemã. Porto
Alegre: EST, 2001.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980.
PICCOLO, Helga Iracena Landgraf.
Imigração alemã no Rio Grande do Sul:
considerações historiográficas. In: CUNHA, Jorge Luiz (org). Cultura alemã – 180 anos = Deustsche seit
180 jahre. Edição Bilíngüe.
Porto Alegre: Nova Prova, 2004. Páginas 99 a 150.
RIGO,
Kate Fabiani e ARAUJO, Tiago Nicolau. Imigração
alemã em Rolante. In: BARROSO, Vera Lúcia Maciel (org.). Raízes de santo Antônio da Patrulha e Caraá.
Porto Alegre: EST, 2000. Pags. 202 e 203
ROCHE, Jean. A
colonização alemã no Rio Grande do Sul. Coleção Província, volumes I e II.
Porto Alegre: Livraria do Globo, 1969