domingo, 31 de agosto de 2014

ANÁLISE FOTOGRÁFICA

A fotografia é sem dúvida um saboroso elemento na pesquisa histórica. Quando estamos pesquisando determinado tema é tão comum perguntarmos para nós mesmos: Será que temos imagem que retrata essa situação? No campo da imagem, a fotografia é a que mais nos instiga os olhos. Acredito ser em função da magia de saber que houve um preparo para que aquela imagem acontecesse enquanto memória e enquanto elemento físico. Ao contrário da pintura que em imagem representa as concepções de arte, as técnicas e enfim a formação do pintor, a fotografia é elemento estático, uma parada de imagem. Apesar de que a fotografia também representa o olhar do fotógrafo. Entretanto, para que a fotografia transforma-se em uma imagem no papel, a cena representada tem que realmente ter acontecido. O que não acontece muitas vezes com a pintura, pois essa pode ser simplesmente a interpretação do artista.
Mas é mister entender como se desenvolveu o processo da fotografia para que possamos saber analisar uma imagem.  A fotografia surgiu na França como uma nova profissão quando está ainda vivia um período de instabilidade política em consequência da Revolução Francesa e do Império Napoleônico, em meados do século XIX.  Para precisar em 1826, com o inventor e fotógrafo francês Joseph Nicéphore Niépe. Mais tarde em 1888, com George Eastman, surge a Kodak e a fotografia torna-se popular com um tipo de câmera bem mais leve e de baixo custo para operar.
A denominação “fotografia” foi definida pelo francês Antine Hercules Romuald Florence (1804-1879) por usar uma nova técnica de impressão desenvolvida a partir de uma ação química da natureza (efeito da luz do sol sobre substâncias fotossensíveis). Florence chegou a viver e trabalhar no Brasil. Mas ao Império Brasileiro não interessava pesquisas cientificas no século XIX e sim a sua atuação e consolidação política. Daí o pouco apoio que Florence teve no Brasil.
Contextualização a parte é necessário entender o que uma fotografia pode nos revelar, além da simples imagem que reproduz. Muito além das informações que a foto nos oferece, tais como dia, lugar e motivo, esta a ação e a atividade do signo. Quem propõe a análise são as categorias semióticas peirceanas desenvolvidas por Charles Sanders Peirce. Para ele interessa saber como os signos podem atingir mentes potencialmente interpretadoras. Isso é possível de ser entendido através da estrutura do signo. O que a imagem representa? Que elementos ela trabalha? Por que motivo se teve interesse em fotografar essa cena?
Feito essas considerações, vamos à análise da imagem selecionada. Separei aqui uma fotografia da década de 1920 no Município de Santo Antônio da Patrulha. O original dessa imagem compõe o acervo iconográfico da Fundação Museu Antropológico Caldas Júnior e revela a seguinte informação “Inauguração da Usina de Luz Elétrica – 1919”. Porém mais importante de quem está na foto é o que a foto revela e pra isso, vamos ver o que é possível apurar utilizando a técnica de leitura de signo, proposta Peirce.
A imagem revela padrões de comportamento. Homens são maiorias e todos usam chapéus. Mostra o grande acontecimento que atingiu toda a sociedade com a inauguração de uma importante obra que geraria luz elétrica para a comunidade. O acontecimento foi tão festivo, que mesmo em um dia muito frio (isso está representado na imagem apesar da qualidade) não faltou até mesmo uma banda de música para saudar as autoridades e a população. É uma foto que mostra a importância da obra não só para a comunidade, como também a importância enquanto acontecimento político para o Intendente da época Cel. Paulo Maciel de Moraes. A fotografia original está colada em um papel cartaz em medidas que ultrapassa o padrão comum de fotografias a época em Santo Antônio da Patrulha. Nota-se que a intenção foi pendurá-la na parede como se fosse um quadro, o que nos revela a importância do acontecimento e a necessidade de lembrá-lo constantemente. Sem dúvida uma propaganda política do Intendente e de sua atuação no PRR (Partido republicano Rio-grandense).


quinta-feira, 28 de agosto de 2014

IMIGRAÇÃO ALEMÃ: ESTUDO DE CASOS EM TEMPOS E ESPAÇOS DISTINTOS

1824: ano que marca o início da vinda dos imigrantes alemães para o Rio Grande do Sul. Abordar esse tema é sobre tudo entender as necessidades da colonização no território sulino e a situação em que se encontrava a Europa nos diferentes momentos da imigração alemã. Não podemos generalizar e entender a imigração iniciada no século XIX com os mesmos objetivos da que se estendeu até os anos 20 de século XX. É preciso ir além, e estudar a Europa nos períodos em que se pretende analisar.
Ao tratar o século XIX na Europa é preciso considerar que não havia uma nação alemã e nem um estado alemão com fronteiras e limites de dimensões políticas. Nesse aspecto entendia-se por “alemão” o individuo oriundo de uma raça e não de um país. O que os identificava era a divisão cultural e não a divisão política. O processo de formação do estado alemão se desenvolveu durante o século XIX com avanços e recuos, inclusive com “distinto posicionamentos das duas igrejas – a católica e a protestante”. (PICCOLO, In: CUNHA, 2004, 99).
A vinda de estrangeiros para o Brasil representava o processo de expansão do capitalismo a nível mundial. Nos países europeus o capitalismo gerou a acumulação de capital, a expulsão do camponês da terra e a desarticulação do trabalho artesanal, ocasionando assim um excedente populacional sem trabalho e sem terra. Para ilustrar a situação em que viviam os alemães, tomaremos como exemplo os motivos em que foram alegados por Peter Lauck em seu requerimento de emigração no ano de 1879, publicado no livro 1000 Jahre Hasborn – Dautweiler, traduzido por Jorge Luiz Lauck:
Eu e o filho mais velho trabalhamos nas minas, o pai é alcoólatra, a mãe e os irmão mais novos cultivam a terra que nada mais dá, falta perspectivas de melhoras, tenho vontade de juntar-me a outros familiares que já emigraram para o Brasil. (LAUCK, In: BENFICA, 2000, 259).
Devemos analisar também o ponto de vista da pátria que recebe esses imigrantes, no caso o Brasil do século XIX e em particular o Rio Grande do Sul. No Brasil é o momento que se inicia a preparação da transição da mão de obra escrava para a mão de obra assalariada. A Inglaterra desde os tratados de 1810 pressionava o Brasil para acabar com a mão de obra escrava e ingressar de vez no mundo capitalista. No que tange o Rio Grande do Sul havia a necessidade de impulsionar a economia local e firmar a província como o “celeiro do país”. A visão do Império sobre a província sulina gerava preocupação pela sua militarização. Ao enviar imigrantes alemães para a região sul do Brasil o Império estaria também neutralizando as oligarquias regionais.
A região do hoje Município de São Leopoldo foi a primeira a receber imigrantes alemães em 25 de julho de 1824, instalados na Real Feitoria do Linho Cânhamo, uma antiga fazenda de propriedade do Império do Brasil. Mas o projeto colonizador espalhou imigrantes alemães por todo do vale do rio dos sinos, planalto e até mesmo Litoral Norte. Estabelecidos em lotes que em 1824 eram de 77 hectares e em 1848 passou a ser de 48 hectares os imigrantes alemães abriram picadas na mata e viveram inicialmente da economia de subsistência, cultivando vários produtos. Com a venda do excedente essa economia colonial imigrante gerou uma atividade lucrativa para o abastecimento do mercado interno: o comerciante. Sendo São Leopoldo a colônia mãe que concentrava o comércio e possuía ligação direta com a capital Porto Alegre, via rio dos Sinos e rio Jacuí, o seu desenvolvimento passou a acumular riquezas aos comerciantes. Era a afirmação do capitalismo no Rio Grande do Sul desenvolvida pelos imigrantes alemães. Vejamos o que afirma Sandra Jatahy Pesavento:
O comerciante alemão foi o elemento que se destacou no mundo colonial. Lucrava sobre a produção agrícola mediante a diferença obtida pelos produtos na colônia e em Porto Alegre; lucrava com o transporte das mercadorias da colônia à capital e da capital para colônia; lucrava ainda com as operações financeiras de empréstimo e a guarda de dinheiro, o que lhe oportunizava um capital de giro para investir (PESAVENTO, 1980, 37).
Após analisar as origens e os motivos da imigração alemã no Rio Grande do Sul no século XIX e contextualiza-la no cenário nacional e internacional é preciso estabelecer recortes no que tange as colônias e seus diferentes tempos e espaço. O estudo aqui proposto estabelecerá dois recortes dentro do vasto universo de pesquisa que é a imigração alemã. O primeiro recorte terá como baliza temporal o ano de 1829, por tanto dentro do contexto da imigração no século XIX, com a criação das colônias de Três Forquilhas e São Pedro no distrito de Torres, então Município de Santo Antônio da Patrulha. O segundo recorte abordará um dos últimos grupos de imigrantes alemães que nos anos 20 do século XX estabeleceram-se em Rolante, também a época distrito de Santo Antônio da Patrulha. O principal objetivo é mostrar as diferenças de contexto histórico entre esses dois espaços de tempo e interpretar a imigração alemã como um processo que atravessou o I e o II Reinado do Império e continuou após a proclamação da república. Sobre tudo não foi somente o governo, imperial e republicano que fomentou a imigração, também as igrejas católicas e protestantes fizeram parte desse processo. Vamos aos casos proposto para análise:
O primeiro recorte proposto direciona o olhar para as colônias de Três Forquilhas e São Pedro criadas em 1826 no extremo norte da região litorânea do Rio Grande do Sul. Embora os dois núcleos fossem considerados como uma única colônia a divisão foi realizada por credo religioso. Dessa forma, os protestantes foram encaminhados para Três Forquilhas e os católicos para São Pedro. Não é objeto desse estudo interpretar os motivos que levaram a essa divisão. Documentos da época apontam que a divisão foi necessária em razão do grande número de famílias e das fortes chuvas, o que seria impossível assentar tantas famílias nas terras destinadas com as cheias dos rios. Mas o assunto merece análise específica e está a carecer maiores estudos. O objeto dessa análise visa estabelecer os motivos quanto a localização desses dois núcleos coloniais.
Do ponto de vista econômico, Três Forquilhas e São Pedro constituíram-se desvinculadas das demais regiões coloniais, identificadas pela distante localização e pela densidade das florestas que ocasionavam a impossibilidade do elemento produtivo. Enquanto a região do vale do rio do Sinos e demais regiões foram beneficiadas pelo elemento geográfico para escoar sua produção, os imigrantes da região do litoral viram-se obrigados a atender apenas as necessidades da própria colônia. Ao pesquisar a imigração alemã Jean Roche considerou a região como a “mais pobre das áreas teuto-brasileiras” (ROCHE, 1969). Também a historiadora Nilza Huyer Ely afirma que os alemães do vale do Rio Três Forquilhas “foram jogados a mercê de sua própria sorte, numa das regiões mais ricas e mais belas do estado, como se por si só bastassem para o desenvolvimento da colônia” (ELY, In: Ely, 1996).
As respostas a esse isolamento das colônias alemãs do Litoral Norte encontramos na Portaria Imperial de 01 de julho de 1825 a qual determinava que:
Os colonos alemães que mais houverem, sejam acomodados ao longo da estrada nova que se acha por se fazer praticável, entre o presídio das Torres e os habitantes de cima da serra preferindo-se porém , sempre a ponte que mais se avizinhar a Província de São Paulo ( IOTTI, 2001, 86) (Grifo nosso)
Fica clara a preocupação do Império Brasileiro as fronteiras de uma região em que o Brasil herdou de Portugal após anos de conflito com a Espanha. Percebe-se também que a imigração alemã tomou proporções descontroladas, uma vez que essa determinação enviava imigrantes para uma região ao “longo de uma estrada que se acha por fazer praticável”. Não havia uma estrutura para receber os imigrantes alemães. Os que foram enviados para a Real Feitoria, hoje São Leopoldo, ocuparam em dois anos a região, os que foram enviados para a região litorânea tinham uma dupla missão: desenvolver economicamente uma região abandonada pelo império e pela província e defender a fronteira de entrada para o centro do Brasil.
Passamos agora ao segundo objeto de estudo, deslocando nosso olhar da região de Torres para o Município de Rolante e do século XIX para o século XX, no período de 1924 a 1927.
Rolante, hoje Município, emancipou-se de Santo Antônio da Patrulha em 1955. No final do século XIX passou a receber descendentes de imigrantes alemães vindos das antigas colônias em busca de novas terras. A partir de 1888 foi criada a Colônia de Villa Nova abrangendo toda a região do Rio dos Sinos, entre a foz do Rio Rolante e a do Rio Caraá, no território do Município de Santo Antônio da Patrulha. Entretanto, Villa Nova não era apenas uma colônia de imigrantes alemães, mas sim uma colônia mista para onde foram destinados imigrantes italianos, austríacos, poloneses, russos e alemães. Embora sendo uma colônia de diferentes raças, havia uma divisão em seções e em linhas, sendo que os alemães foram encaminhados para as seções Quilombo, Baixa Grande, Canta Galo, Bocó e Fraga:
Assim, a região foi colonizada também por alemães que fizeram parte na construção do distrito. As religiões, católica e protestante, logo se fizeram presentes, ambas com forte atuação. Com relação a religião católica, a Cúria Metropolitana de Porto Alegre, firmou convenio em 1922 com os Missionários da Sagrada Família. Nesse mesmo ano criou a Paróquia Nossa Senhora da Conceição em Rolante, enviando para lá os missionários da Sagrada Família, entre eles o Padre Jorge Anneken.
O Padre Anneken se preocupou com o avanço do protestantismo entre os imigrantes e descendentes de imigrantes alemães e começou a intermediar a vinda de novos imigrantes alemães que fossem, sobre tudo, católicos. O que realmente aconteceu no período de 1924 a 1927, onde 30 famílias num total de 251 pessoas vieram da Alemanha para se estabelecerem em Rolante. Não era uma imigração fomentada pelo estado e sim pela igreja católica e pelo próprio Padre Anneken.
No contexto internacional a Alemanha encontrava-se no período após a primeira guerra mundial, onde ficou destruída e com extremas dificuldades de inserir novamente seus filhos na economia nacional. No plano regional o que estava em voga era a firmação da igreja católica enquanto instituição que pretendia atuar em uma região de colonização alemã onde o protestantismo era o credo religioso com maior número de adeptos.
A região de origem dessas 30 famílias imigradas nos anos 20 do século XX era a região de Oldenburg, mesma região em que nasceu o Padre Anneken. Foi nos seus compatriotas que o sacerdote buscou a alternativa para marcar a sua atuação e via de regra o do próprio catolicismo. Essa situação fez o Padre e os imigrantes possuírem e estabeleceram uma dúbia relação de pátrias, a de origem = Oldenburg na Alemanha e a de estabelecimento = Rio Grande do Sul, no Brasil. A relação com a pátria mãe em meio à pátria que os recebeu foi tão forte que esses alemães ficaram conhecidos como os “Oldenburguenses”. Vejamos o que nos dizem estudos anteriores sobre a situação da Alemanha nesse período:
Oldenburg era a sede de um ducado, que se tornou estado com a República de Weinar, situado no norte de Alemanha. A região também foi duramente atingida pela primeira Guerra Mundial fazendo com que diversas famílias emigrassem para os Estados Unidos e para o sul do Brasil (LAUCK, In: Ely, 2003, 116).
Os dois estudos aqui propostos, embora tenham caráter ilustrativo, inserem-se dentro do amplo universo de pesquisas que é a “Imigração alemã” no Rio Grande do Sul, embora com origens, motivos, contextos e períodos divergentes na sua totalidade. Mesmo assim buscou-se traçar paralelos entre um grupo do início e um grupo do final de imigração. Não só o estado buscou na imigração a alternativa para a construção de uma economia colonial que o fomentasse, mas também a igreja, neste estudo a católica, viu nos imigrantes alemães o recurso para impor a sua catequização. Um século depois da chegado dos primeiros imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, o projeto colonizador ainda deslocava contingente oferecendo “esperanças” na nova terra. Contudo, períodos diferentes e interesses econômicos e religiosos a parte, em plano geral o que fez todos imigrantes iguais entre si foi a sua própria cultura. Hoje a herança cultural dos alemães é uma constante no Rio Grande do Sul. Souberam eles, atender as necessidades que lhes foram delegadas e ainda impor a sua cultura de origem na formação do caleidoscópio cultural do Rio Grande do Sul.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CUNHA, Jorge Luiz. Os alemães no sul do Brasil. In: CUNHA, Jorge Luiz (org). Cultura Alemã – 180 anos = Deustsche seit 180 jahre. Edição Bilíngüe. Porto Alegre: Nova Prova, 2004. Páginas 15 a 27.
ENGEL, Johann. 1000 Jahre Hasborn – Dautweiler. In Auftrag der Gemeinde Hasborn – Dautweiler, 1964.
ELY, Nilza Huyer e BARROSO, Vera Lúcia (orgs.). Imigração alemã, 170 anos, vale do Três Forquilhas. Porto Alegre: EST, 1996.
IOTTI, Luíza Horn (org.). Imigração e colonização: legislação de 1747 a 1915. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Estado do RS. - Caxias do Sul: EDUCS, 2001
LAUCK, Fernando Rocha. Família Lauck: Da Alemanha para o Rio Grande do Sul. In: BENFICA, Corália Ramos (org.). Santo Antônio da Patrulha Re-conhecendo sua história. Porto Alegre: EST, 2000. Páginas 258 a 264.
LAUCK, Fernando Rocha. Rolante: núcleo de colonização alemã, distrito de Santo Antônio da Patrulha. In: Ely, Nilza Huyer (org.). Torres – marcas do tempo: II simpósio sobre imigração alemã no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST, 2003. Páginas 112 a 122.
MÜLLER, Telmo Lauro (org.). 175 anos de imigração alemã. Porto Alegre: EST, 2001.
 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980.
PICCOLO, Helga Iracena Landgraf. Imigração alemã no Rio Grande do Sul: considerações historiográficas. In: CUNHA, Jorge Luiz (org). Cultura alemã – 180 anos = Deustsche seit 180 jahre. Edição Bilíngüe. Porto Alegre: Nova Prova, 2004. Páginas 99 a 150.
RIGO, Kate Fabiani e ARAUJO, Tiago Nicolau. Imigração alemã em Rolante. In: BARROSO, Vera Lúcia Maciel (org.). Raízes de santo Antônio da Patrulha e Caraá. Porto Alegre: EST, 2000. Pags. 202 e 203
ROCHE, Jean. A colonização alemã no Rio Grande do Sul. Coleção Província, volumes I e II. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1969

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

IMAGEM HISTÓRICA - CIDADE BAIXA - PORTO ALEGRE - RS.

Quem me conhece sabe o quanto gosto de trabalhar com imagens. Tendo em vista que sou formado em história, a união dessas duas searas (imagens e história) me parece um casamento perfeito para se trabalhar a pesquisa historiográfica. As imagens trazem consigo um carácter extremamente saudosista e por tanto formam um largo campo de interesse em suas leituras. Não abro mão de uma boa retórica textual, mas incrementar a escrita com uma fotografia é, sobretudo ilustrar a produção histórica.  Para usar uma expressão bem comum, em uma pesquisa a fotografia deve ser usada como “a cereja no bolo”.
No entanto, percebo que essa tendência invadiu as redes sociais trazendo para o formato digital as caixas e os baús de famílias que há muito tempo estavam mofando no fundo das gavetas e dos armários. Entendo que devemos comemorar esse avanço digital e histórico da fotografia. Sem falar em acessibilidade, pois uma mesma imagem pode ser visualizada em qualquer lugar do mundo e por quem desejar.

Revisando os meus alfarrábios, encontrei essa imagem inédita da nossa capital, Porto Alegre. Acredito ser inédita, pois ainda não visualizei algo parecido nos grupos que acompanho pelas redes sociais. Apesar de não saber a localização exata, pelas informações existentes junto ao cartão postal podemos apurar o seguinte: “Porto Alegre – Cidade Baixa – II parte”. Imagino que a partir de agora, essa imagem vai ser reproduzida inúmeras vezes e visualizada por muitas pessoas. Não vejo mal algum nisso. Que futuro teria essa imagem guardada no fundo de uma gaveta junto a muitos outros papeis e documentos de família? Enfim, vamos compartilhar e tentar fazer a identificação dessa rua, desse bairro e a época em que está retratada. Sobre a época em especial, ouso dizer que acredito ser início do século XX. Por fim encerro dizendo que considero um charme essas construções junto à calçada. Uma característica “bem portuguesa com certeza”.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

RAIZ PATRULHENSE DE TEIXEIRINHA.

È impossível estudar a trajetória da música no Rio Grande do Sul, sem lembrar de Vitor Mateus Teixeira, popularmente conhecido como TEIXEIRINHA. Um fenômeno popular que vivenciou 27 anos de carreira com mais de 700 canções gravadas.
Teixeirinha é reconhecido como o maior vendedor de discos do Rio Grande do Sul e o primeiro artista brasileiro a vender um milhão de cópias. Sobre tudo fez, protagonizou e escreveu doze filmes.
Quem não se lembra de música “Coração de Luto” que projetou o artista em 1961? Como não lembrar o filme de mesmo nome, sucesso de bilheteria, escrito e encenado por Teixeirinha em 1966?
Estes questionamentos e o sucesso que muitos acompanharam chamam a atenção para outra pergunta: Qual a relação de Teixeirinha com Santo Antônio da Patrulha? Pois é este o Município do nascimento de Vitor Mateus Teixeira. Em 1927 na localidade de Mascarada que integrava o Distrito de Rolante, Município de Santo Antônio da Patrulha (Este Distrito emancipou-se de santo Antônio da Patrulha, em 1954, tornando-se o Município de Rolante).
Filho de Saturnino e Ledorina Teixeira, Teixeirinha teve uma infância difícil. Seu pai era casado pela segunda vez e possuía filhos da primeira união. Estes não aceitavam a nova família do pai e os pressionavam com ameaças e agressões.
Com cinco anos de idade o menino Vitor ganha de seu pai um violão, estimulando-o a fazer versos e canções. Este instrumento foi quebrado por um de seus irmãos, o que deixou seu pai muito agitado vindo a falecer de ataque cardíaco no mesmo dia. Dona Ledorina e o filho foram expulsos da propriedade em que residiam, indo morar de favor em localidade próxima.
Em visita a localidade de Catanduva Grande (hoje 3º Distrito de Santo Antônio da Patrulha) alguns moradores informaram que Ledorina Mateus Teixeira e seu filho Vitor lá residiram até o seu falecimento em 1936. Dona Ledorina era epilética e teve uma convulsão no momento em que incinerava uma fogueira. Sofreu graves queimaduras e faleceu no dia seguinte.
Órfão aos nove anos de idade, Vitor foi morar em Porto Alegre vivendo como menor abandonado. Foi engraxate, verdureiro, baleiro e estafeta de hotel. Em 1941 registrou seu nascimento em cartório de Porto Alegre. Em 1944 passou a trabalhar em uma granja da periferia e conseguiu comprar um violão.
Aos 22 anos empregou-se como operador de maquinas no DAER e passou a apresentar-se na rádio Progresso, em Novo Hamburgo. No período de 1950 a 1957 atuou em vários programas das rádios Taquara, Independente de Lajeado, Rio Pardo, Alto Taquari e Santa Cruz. No início da década de 1960 a música “Coração de Luto” explode nas rádios. Com uma letra baseada em fatos verídicos, a música mostrou o sentimentalismo frente à morte da mãe, único esteio familiar de um menino de nove anos. Mas teria sido o interior do Município de Santo Antônio da Patrulha o cenário deste episódio trágico? Muito ainda há para ser resgatado no cerne desta questão, mas posso afirmar que a Srª Ledorina Mateus Teixeira foi sepultada no cemitério velho de Catanduva Grande. Atualmente existe somente a sepultura, os restos mortais foram levados pela família. 
Enfim, a vida e a obra de Teixeirinha, sucesso interrompido com sua morte em 05 de dezembro de 1985 nos deixou um legado de 69 Lps, 700 canções e 12 filmes. Mas sua obra continuou gerando frutos. Vários artistas regravaram suas canções e seu nome é lembrado em ruas de Porto Alegre e num Balneário de Novo Hamburgo. Contudo, podemos afirmar que Teixeirinha é um PATRULHENSE.
Na foto anexa, Teixeirinha aparece ao lado de Mery Terezinha, parceira musical com quem foi casado em segunda união. Essa foto foi gentilmente ofertada pela Senhora Gradir Conceição, tia da amiga Rosalva Rocha. No verso está escrito: “Teixeirinha e Mery Terezinha, apresentação em Porto Alegre, por volta de 1965”.

BIBLIOGRAFIA:
MANN, Henrique: CEEE/Som do Sul (fascículo nº 05 – Gildo de Freitas e Teixeirinha) Porto Alegre, Editora Alcance, 2002.


terça-feira, 12 de agosto de 2014

PORTO RAMOS – UMA COMUNIDADE QUE TEM HISTÓRIA

No terceiro distrito do município de Santo Antônio da Patrulha, encontra-se a localidade de Porto Ramos. Uma comunidade que guarda na memória o tempo de histórias da produção e dos transportes fluviais. Foi uma das poucas áreas do município que soube explorar a navegação no Rio dos Sinos. Inácio Machado Ramos chegou em Santo Antônio da Patrulha por volta de 1840 e estabeleceu-se a margem do Rio dos Sinos cultivando milho e feijão. Frente à falta de estradas para ecoar o que produzia, Inácio encontrou no Rio dos Sinos uma forma de transporte. Construiu um porto e um barco com capacidade para 12 mil quilos de produtos. Esse barco necessitava de três homens para remar até o seu destino. Logo o porto passou a servir as comunidades vizinhas: Serraria Velha, Morro Agudo, Taquaral e todo o terceiro distrito.
A partir de Santo Antônio o Rio dos Sinos passa a ter menos profundidade e deixa de ser navegável. Até o Porto Ramos o rio é bastante largo, mesmo assim a navegação é restrita a embarcações menores.

Conforme depoimento do Sr. José Amorim Ramos (já falecido) prestado ao jornal Folha Patrulhense em outubro de 1980, “os melhores anos da produção foram de 1926 a 1930. Com a revolução de 30 a produção caiu”. Relata o Sr. José que o terceiro distrito produzia milho, feijão, arroz, palha de vassoura e cana-de-açúcar. Na década de 30, a abertura da RS-30 (hoje Rodovia Cristóvão Pereira de Abreu) facilitou às vias de transportes e à navegação foi aos poucos tornando desnecessária. Santo Antônio da Patrulha pode contar com uma estrada que o ligaria diretamente a capital do Estado.
Atualmente do Porto nada mais existe. Entretanto ainda permanecem no local duas edificações do século XIX. Uma destinada ao comércio e outra para moradia. Também existe nas proximidades um cemitério construído inicialmente para o sepultamento de familiares.
Essa atividade econômica gerou o nome da localidade “Porto Ramos”. O Porto porque lá realmente existiu um porto e Ramos porque o pioneiro foi Sr. Inácio Machado Ramos.
A história dessa comunidade e do Porto da Família Ramos tem de ser trabalhada, registrada e pesquisada. É de grande importância para a historiografia do município registrar uma necessidade geográfica que foi capaz de gerar uma atividade econômica numa região tão desprovida da navegação fluvial.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

VILA MIGUELZINHO – UMA COMUNIDADE COM MOVIMENTO MESSIÂNICO

Nosso município (Santo Antônio da Patrulha) foi notícia no jornal Correio do Povo em 31 de julho de 1952. A reportagem noticiava um “Reduto de Fanáticos em Santo Antônio” desenvolvida pelos repórteres Sady Rafhael Saadi e Nito Vidarte. 
No vale do Arroio Guimarães (hoje Município de Caraá) formou-se uma comunidade conhecida como “Vila Miguelzinho” ou “Vilinha” fundada por Miguel Ramos de Oliveira. Esse líder religioso, conhecedor de plantas medicinais, se dizia portador de dons mediúnicos. Instalou-se na localidade de Fundo Quente (hoje Vila Nova) iniciando sua pregação e realizando curas. Mais tarde passou a peregrinar espalhando seus ideais.
Voltando à região, no início da década de 50, instalou-se junto ao Arroio Guimarães aglomerando famílias e anunciando o apocalipse. Descrito pelos repórteres como o maior reduto de fanáticos do Rio Grande do Sul, no local residiam mais de 1200 pessoas entre homens, mulheres e crianças. Aos homens era necessário usar bigodes e as mulheres usavam cabelos compridos e vestidos fechados.
A organização de Miguelzinho enquadra-se nos movimentos messiânicos difundidos no Brasil no início de século XX. Um líder religioso (messias) com poderes sobrenaturais prega o reino celeste na terra e organiza a comunidade com leis de convívio.
Mas o que teria levado o jornal Correio do Povo até a comunidade organizada por Miguelzinho? Uma denúncia, recebida pela polícia de Porto Alegre, envolvendo manifestações de barbárie. Dois operários de uma fábrica de móveis da capital teriam levado o fato até a Central de Polícia. Em visita a familiares que residiam na vilinha tomaram conhecimento do ritual de sugar o sangue de crianças até o falecimento.
Essa denúncia repercutiu na capital do Estado levando a Central de Polícia a instauração de processo e designando o inspetor Alfredo Azambuja Sobrinho até o local. A Delegacia de Polícia de Santo Antônio, na época, informou que a mesma denúncia foi feita no ano de 1923 e resultou na prisão de Miguel, mas nada de verídico foi constatado.
Também o vigário da região prestou depoimentos aos repórteres relatando que a prática “segue rituais cristãos misturados com rituais espirituais, através de médiuns com seus guias, que são os missionários Marcelino Antônio da Luz e José Laurindo Ramos de Oliveira”.
Por último a reportagem descreve a vila de Miguelzinho com habitações de tabuas cobertas de capim. “Homens de aspecto triste, desconfiados e cabeludos levam uma vida incerta e sem profissão definida”. Apesar da repercussão na cidade e na capital, ninguém conseguiu provar que a prática da comunidade envolvia tais rituais.
Com a morte de Miguel, o trabalho messiânico foi continuado pela esposa Armandina de Oliveira e por fiéis mais íntimos. Em 1999, a pesquisadora de folclore, Lílian Argentina Braga Marques, visitou a comunidade e constatou que no culto existe um “entrelaçamento de rituais católicos, protestantes e espirituais”. Realizam cultos às quartas-feiras e aos sábados considerados sagrados. Cultuam a semana santa, páscoa, quaresma, finados e no natal o pinheiro e o presépio. Na primeira fileira adiante do altar do templo reserva-se um grupo de mediúnicos na figura de senhoras que vestem hábitos de freiras de cor azul clara. O rosário de Maria é cantado por dona Armandina de Oliveira.