A
representatividade de brasões e bandeiras, obviamente, chegou à América com os
colonizadores portugueses e espanhóis. Eles tinham, na visão europeia, a função
de identificar e demarcar uma posse ou a propriedade de um território. Essa
prática desenvolveu-se em todo o período de colonização do Brasil e da América.
Assim, quando o Brasil nasceu como país, em 07 de setembro de 1822, os símbolos
da nação foram confeccionados de forma a representarem a jovem monarquia
brasileira. A partir de então, os estados também passaram a confeccionar suas
próprias simbologias, empregando nesses as suas temáticas locais. No caso do
Rio Grande do Sul, as constantes lutas entre portugueses e espanhóis, pela
posse do território, fez com que a simbologia também incorporasse influência
dos dois países e com práticas revolucionárias, como é o caso do Hino
Rio-Grandense, na qual letra e melodia inicial foram trabalhadas em 1838 por Francisco
Pinto da Fontoura e Joaquim José de Mendana.
Findado
o regime monárquico no Brasil e implantado o regime republicano em 15 de
novembro de 1889, novos símbolos foram confeccionados. Dessa vez com
influências da doutrina positivas criada pelo Francês Augusto Conte no século
XIX. A república foi representada pela imagem de mulher forte, farta e fértil,
destinada a dar muitos filhos e frutos ao Brasil. Alegorias de representações
que buscavam nas vivências e práticas dos antepassados uma projeção para o
futuro. A frase “Ordem e Progresso” é uma fiel representante do positivismo, em
que somente seria possível um progresso no futuro mediante à implementação de
uma ordem no presente, com bases no passado. Os símbolos nacionais foram
fortemente difundidos durante o período do Estado Novo (1937/1945), em que o
Presidente Getúlio Vargas, determinou que fossem queimadas as bandeiras dos
estados para construção do projeto de identidade nacional. As diferenças
regionais no imenso Brasil foram largadas na ilegalidade para despertar em
todos os indivíduos o pertencimento de ser brasileiro. Posteriormente, ao
findar o Estado Novo, as culturas regionais se fortificaram e foi fundado no
Rio Grande do Sul, em 24 de abril de 1948, o 35 CTG – Centro de Tradições
Gaúchas.
A
arte de confeccionar e estudar brasões é denominada de heráldica. Ao longo da
história do Brasil, a heráldica acompanhou não somente o poder público, mas sim
também as famílias nobres, em especial as dos barões, duques e condes que
receberam títulos de nobreza durante o segundo império. No município gaúcho de
Santo Antônio da Patrulha, a primeira legislação existente, referente aos
símbolos municipais, foi criada em 21 de agosto de 1961. A lei nº 780 adotou e
definiu o brasão como símbolo a ser utilizado nos documentos oficiais. Em um
único artigo, em forma descritiva foi empregada toda a definição do brasão. Não
há uma explicação para essas simbologias e tão pouco se sabe o caminho que o
processo levou até chegar a lei definitiva, aprovada pela Câmara Municipal de
Vereadores em sessão e sancionada pelo Prefeito Jorge Von Saltiel. Frente à
ausência de dados, a forma de entender a representatividade do brasão do
município é buscar a contextualização histórica, vivida até aquele momento. Vejamos
o que diz o artigo 1º da Lei nº 780/1961.
“Será
adotado como símbolo deste Município um duplo escudo português. No primeiro em
fundo azul com quinze estrelas. O segundo em dois campos, o primeiro campo
dividido em três quartéis. No primeiro quartel a direita uma guarita sobre
campo verde em céu de ouro. No segundo quartel uma cruz dos descobridores, no
terceiro quartel uma cabeça de vacum. O segundo campo, em campo verde uma roda
dentada e um arado de disco. Como apoio laterais, no lado esquerdo uma cana de
açúcar e no direito uma espiga de arroz. Uma faixa em vermelho estilizada com o
lema: HOSPITALIDADE, JUSTIÇA E LABOR. Abaixo em negrito as datas 1730-1809. Uma
coroa mural, em prata com quatro castelos fortes com quatro ameias.”
Começaremos
pelas laterais, onde na direita foi representada uma espiga de arroz e a
esquerda, uma cana de açúcar. Cana e arroz eram os produtos que fomentavam a
economia patrulhense em 1960. A cultura do arroz que passou a ser desenvolvida
em larga escala a partir dos anos 20 era o produto que mais gerava riquezas a
Santo Antônio da Patrulha, por isso foi posta ao lado direito do brasão. No
outro lado, a economia da cana de açúcar que possuía um histórico de produção
desde a colonização, havia perdido posição para o arroz, mas via nascer nas
cooperativas de produtores, o apoio do estado gaúcho para a implementação da
AGASA – Açúcar Gaúcho S. A. Assim como na ordem de disposição das bandeiras, o
que tem mais importância vem à direita, a espiga de arroz, que naquele momento,
era o recente produto de ponta do município, em contraponto a cana de açúcar à
esquerda.
A
descrição do brasão começa com a adoção de um escudo português, o que
justifica-se pela colonização com a presença lusa na região. Assim como a formação
do município de Santo Antônio da Patrulha efetivou-se com os povoadores
luso-açorianos, o brasão foi formado com a base do escudo de Portugal. No escudo português, na cor azul inseriu-se 15
estrelas. Aqui a influência é do brasão de armas e da bandeira do Brasil. Azul
para representar o céu onde as estrelas brilham e em número de 15 para
representar a idade do município. Contados a partir do documento de criação de
1809, Santo Antônio da Patrulha, completou 150 anos no ano de 1959. Dessa forma,
o brasão patrulhense, criado no ano de 1961, recebeu 15 estrelas comemorativas,
representadas em décadas, que brilharam no céu do município. No segundo escudo
a divisão se deu em cinco partes, sendo que a primeira metade foi dividida em
três quartéis. No quartel da direita, simbolizando a importância, uma guarita
sobre um campo verde em céu de ouro. A guarita representava a guarda criada no
século XVIII para tributar impostos sobre as cabeças de gado que eram
arrebanhados na região. No campo verde, a simbologia dos campos de terra fértil
e o céu de ouro a simbologia da arrecadação de impostos e a inserção do Rio
Grande do Sul na economia colonial do Brasil. No quartel do centro foi posta a
cruz dos descobridores, mais uma vez a marca portuguesa no processo de
colonização do estado. No quartel da esquerda, uma cabeça de vacum completou a
faixa histórica do brasão do município, o qual se desenvolveu a partir do ciclo
do troperismo no século XVIII. O segundo campo foi dividido em dois quartéis e
nesses foram inseridos elementos da atualidade. No quartel da direita, portanto
mais importante, um arado de disco em campo verde. A simbologia aqui representou
a agricultura do município e o pioneirismo nos maquinários agrícolas para a
lavoura de arroz. No quartel da esquerda, uma roda dentada, símbolo da
indústria e comércio, também em campo verde, firmando novamente a vocação
agrícola de Santo Antônio da Patrulha.
Abaixo
do escudo, foi posto um faixa em vermelho, com o lema “HOSPITALIDADE, JUSTIÇA E
LABOR”. A inserção da cor vermelha justifica-se pela escolha em trabalhar as
cores do brasão e bandeira de Portugal e do Brasão das armas do Brasil. Em
ambos, as cores verde, amarelo, azul e vermelho estavam presentes, sobretudo o
vermelho representa sangue forte que no caso do Rio Grande do Sul foi capaz de
provocar revoluções. Na palavra hospitalidade, buscou-se inspiração na
comercialização do sonho. Na década de 1960, a passagem de turistas pela RS-030
e a tradicional parada em Santo Antônio da Patrulha para um café com sonho,
tornou a cidade famosa e hospitaleira. Para as palavras justiça e labor a
representação estava no trabalho dos patrulhenses e na crença de que a justiça
gera o reconhecimento e o trabalho gera a justiça.
Na
parte superior, foi introduzida uma coroa mural, em prata com quatro castelos
fortes e quatro ameias. Na religiosidade portuguesa, a coroa é um dos símbolos
do Divino Espírito Santo, crença presente em Santo Antônio da Patrulha, trazida
pelos colonizadores luso-açorianos. Sobretudo, era comum inserir coroa mural em
brasões, pois essa representava a fortuna, a proteção e a autonomia de uma
cidade. Em Portugal, a cor prata era empregada nas coroas dos municípios, visto
que para a capital e regiões administrativas a cor era o ouro. O número de torres
também é representativo de autonomia. No geral, o que e empregado em brasões
municipais, são cinco e não quatro torres, sendo que três torres são de frontal
e duas em meia imagem por estarem posicionadas nas laterais. As ameias estão
equivocadas, pois em se colocando quatro torres é possível ter apenas três e
não quatro ameias. A cor prata também representa pureza e religiosidade.
Por
fim, na parte mais estrema do brasão, foram colocadas as datas 1730-1809. A
primeira fazendo alusão à data de povoamento e abertura da estrada real por
Cristóvão Pereira de Abreu e a segunda à provisão real de 07 de outubro de 1809
que criou quatro municípios gaúchos: Porto Alegre, Rio Grande, Rio Pardo e
Santo Antônio da Patrulha. Contudo, na década de 1990, com a publicação de
novos estudos históricos, essas datas foram alteradas pela lei n.º2.366/91, a
qual estabeleceu 1760-1811. A primeira fazendo referência à instalação da
capela curada em 31 de agosto de 1760, construída por Inácio José de Mendonça e
Silva e Margarida Exaltação da Cruz. Quanto à segunda data, a referência foi à
instalação do Município em 03 de abril de 1811.
A
que se considerar, ainda, o brasão que foi desenhado em pedra portuguesa na
parte central da Praça da Matriz Arquipélago dos Açores na Cidade Alta. O autor
dos desenhos da praça, Nelson Osíris, registrou nos anais do evento Raizinha
1998 – Santo Antônio da Patrulha Re-conhecendo sua história, que a Praça foi
construída em 1965 e nessa ocasião tomou contato com o brasão. Entretanto, o brasão
lá desenhado possui algumas diferenças com relação ao da legislação de 1961,
visto que foram supridos o pé de cana de açúcar e a espiga de arroz das
extremidades laterais e também a parte central foi dividida em sete quarteis ao
invés de cinco Os três quarteis superiores apresentam características iguais á
legislação e nos quatro quartéis inferiores não é mais possível identificar os
elementos desenhados. Por fim, as datas inseridas no brasão da praça (1719 –
1809) também diferem da legislação. Isso leva a crer que o brasão já existia
antes de 1961, muito embora não tivesse ainda uma legislação que o
regulamentasse. Essa baliza temporal entre 1961 a 1965 seria um espaço muito
curto para que uma legislação como a de um símbolo municipal estivesse já
plenamente divulgado e mais difícil ainda se essa passasse a concorrer com
informações anteriormente divulgadas. O fato é que o brasão desenhado na praça em
1965 possui elementos diferentes daquele que foi legalizado em 1961.
Os
outros dois símbolos oficiais do Munícipio de Santo Antônio da Patrulha, o hino
e a bandeira, tiveram um caminho diferente do brasão. Conforme registro da
historiadora Corália Ramos Bemfica, eles foram trabalhados para fazer a
divulgação da 1ª EXFEPA – Exposição Feira Patrulhense, a qual ocorreu em 10 de
dezembro de 1974 no Parque de Exposições do Sindicato Rural em Barro Vermelho.
O evento era uma programação inclusa ao projeto do Governo do Estado denominado
de “Torne o Rio Grande mais Belo a partir de seu Município” e visava à valorização
da cultura local. A historiadora registra ainda que para o concurso de escolha
da bandeira não teve vencedor. A melhor gravura sofreu alterações. Já o hino
patrulhense venceu a letra de Regina Barcelos dos Santos que valorava o
trabalho e exaltava as belezas naturais e a geografia local lembrando que “o
sinos majestoso serpenteia entre montes, campos verdes e floridos”. A melodia
era de autoria de Ilza Hartmann e a primeira apresentação do Hino de Santo
Antônio foi realizada durante a EXFEPA pelo coral de alunos da Escola Padre
Reus.
Ao
que se vê, os símbolos escolhidos no concurso da EXFEPA em 1974 não foram
oficializados. O Hino do Município, apesar de ser cantado e tocado nos
cerimoniais, somente teve a sua regulamentação legal em 09 de setembro de 1999,
com a Lei 3.422. Quanto à bandeira, essa foi instituída pela Lei 1.313 de 24 de
dezembro de 1975, sancionada pelo Prefeito Gelso Marcelo Bier, porém não o
desenho apresentado na feira. A lei que criou a bandeira também é descritiva e
não justifica seus elementos:
“Será
adotado como Símbolo do Município, além do escudo já existente, a bandeira do
Município, que possui a forma retangular, nas cores azul e branca, distribuídas
da seguinte forma: partindo da extremidade esquerda superior com a largura
igual à metade de que tiver a bandeira sairá uma faixa branca, inclinada para baixo: no
centro desta faixa, haverá o escudo do Município com sua cor e forma oficial; o
restante da bandeira na cor azul-noite”
As cores escolhidas para
representar Santo Antônio da Patrulha foram azul noite e branco, influência da
bandeira dos Açores e também do azul e branco da bandeira do Brasil, em que a
faixa branca simboliza o Rio Amazonas. Na bandeira de Santo Antônio, a faixa
branca simboliza o Rio dos Sinos, que já na década de 1970, era pauta de
preservação e ligação entre os municípios cortado pelo seu leito. O branco
também simboliza a paz que corta o azul da noite, símbolo da harmonia no céu
onde brilham as estrelas festivas.
No ano de 2000 foi realizada uma
eleição para escolher entre os pontos turísticos, o símbolo do Município. O
vencedor foi a Fonte Imperial. Dessa vez, o símbolo foi oficializado com a Lei
nº 3.641 de 28 de dezembro de 2000. O texto também é descritivo e direto:
“Fica
adotado como símbolo do Município de santo Antônio da Patrulha, além do Escudo,
da Bandeira e do Hino, já existentes, a FONTE localizada na rua Avelino Luíz de
Oliveira, esquina com a Senador Pinheiro Machado.
Frente à análise
desses elementos concluímos que a construção da simbologia oficial de Santo
Antônio da Patrulha se desenvolveu em 40 anos no período de 1960 a 2000 e que os
textos das leis são simples e descritivos. Não há maiores registros que possam
ilustrar e justificar a escolha dos elementos simbólicos. Contudo, é essencial
que eles sejam identificados e representem todos os patrulhense, bem como sejam
também revisados, se for o caso, e adequado às realidades do Município.
Fontes:
-
Lei nº 780 de 21 de agosto de 1961;
-
Lei nº 1.313 de 24 de dezembro de 1975;
-
Lei nº 2.366 de 11 de junho de 1991;
-
Lei nº 3.422 de 09 de setembro de 1999;
-
Lei nº 3.461 de 28 de dezembro de 2000.
Referencias
Bibliográficas:
BEMFICA, Corália Ramos.
BARROSO, Véra Lúcia. FIGUEIREDO, Lézia Maria Cardoso de. BIER, Terezinha de
Jesus Benfica. (Organizadoras). Santo
Antônio da Patrulha – Re-conhecendo sua História. Porto Alegre, EST, 2000.
CARVALHO, José Murilo
de. A formação das Almas: O imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
LUZ. Milton. A história dos símbolos nacionais: a
bandeira, o brasão, o selo, o hino. Brasília: Senado Federal, Secretaria
Especial de Editoração e Publicações, 1999 (1ª. edição).
PESAVENTO, Sandra
Jatahy. História do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre; Mercado Aberto; 1980.