Quando se tem em mente a cultura
de uma sociedade, é preciso entender a sua história e o desenvolvimento que se
teve ao longo dos anos. Mas, o tópico inicial a que chamo atenção é a palavra
“cultura” e toda a sua abrangência de conceitos. Revisando algumas definições,
encontrei a mais primitiva contextualização no ano de 1871, por Edward Burnett
Tylor em Primitive Culture.
“Cultura é o complexo no qual
estão incluídos conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e
quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da
sociedade.”
Fica claro que a definição de
cultura utilizada pelo autor refere-se a tudo aquilo que é coletivo à
sociedade, a todas as formas de organização que, no dia-a-dia de uma população,
vão definindo ações e desenvolvendo o ser humano. A forma de entendermos a
cultura é buscar, na história, o desenvolvimento de uma sociedade e os fatores
que influenciaram na construção da sua identidade. Veremos que a cultura de
Santo Antônio da Patrulha recebeu influência de diversos acontecimentos
históricos do Brasil e do Estado do Rio Grande do Sul, desde a sua colonização
até o presente momento. De forma linear, vamos relatar esses acontecimentos
históricos aqui e buscar os exemplos que, em Santo Antônio da Patrulha, foram definindo
a cultura e a identidade de sua sociedade.
No século XVIII, com o Brasil
ainda sendo uma colônia de Portugal, a ação da Coroa Portuguesa consistiu em
conquistar o território além Tordesilhas e estender seus domínios até o Rio da
Prata. Uma das formas de colonização utilizada pela Coroa Portuguesa foi a
açoriana a partir de 1752. Além do povoamento e da ocupação da região, daria
conta, ainda, do branqueamento das raças existentes (índios, negros e
castelhanos). A região do litoral norte e Santo Antônio da Patrulha também
foram ocupadas com os açorianos. Esses desenvolveram aqui a cana-de-açúcar, o
trigo e outros produtos para economia de subsistência.
Com a Independência do Brasil
(07/09/1822), o Império Brasileiro passa a ver o Rio Grande do Sul como o
celeiro do País. Fomenta a imigração alemã a partir de 1824 e, a italiana a
partir de 1875. Esses imigrantes chegam com o objetivo de produção e não, de
colonização. Inserem-se na economia de abastecimento do centro País. No
município de Santo Antônio da Patrulha foi criada, em 1888, a Colônia de Vila
Nova, localizada na margem superior do rio dos Sinos, entre os rios Rolante e
Caraá. O principal objetivo era o abastecimento do Município, e o excedente,
para as demais regiões. A colônia de Vila Nova formou os distritos e,
posteriormente, os municípios de Rolante (1955), Riozinho (1988) e Caraá
(1996).
Fator
de grande relevância na história do Estado do Rio Grande do Sul foi a Revolução
Farroupilha (1835/1845). Após esse período, começa a organização das cidades como
centros urbanos. Surge a Burguesia Gaúcha (comerciantes, industriários,
profissionais liberais, etc.) que vão incluir os produtos culturais no mercado
(teatros, cinemas, saraus, literatura, magazines, revistas, etc.). Em Santo
Antônio da Patrulha, é criado o Grupo Dramático (1851) e os Clubes de Poetas –
Grupo das Violetas (1851) e Grêmio dos Amores-Perfeitos (1875).
Com a Proclamação da República
(15/11/1989), o Rio Grande do Sul fomenta a criação dos centros urbanos e
coloca em choque os interesses das cidades com os interesses das elites
agrárias. Em Santo Antônio da Patrulha, surgem grupos e serviços de cultura e
de recreação: Jornal o Despertador (1916), Jornal Humorístico Arco-Íris (1920),
Sociedade Recreativa Amor-Perfeito (1921), Esporte Clube Jaú (1927), Orquestra
Lyra Martha (1931), Cassino Clube (1937), Grêmio Esportivo Liberdade (1937),
Rádio Sulina (1949), Cine Teatro Luz (1953).
Na
revolução de 1930, Getúlio Vargas conquista o poder. No mesmo ano, cria o
Ministério da Educação e Cultura. Em 1932, cria a Cruzada Nacional de Educação
e passa a dialogar, diretamente, com os Municípios. Cultura passa a ser tratada
com compromisso da Nação, a ser firmada por meio da educação. Em 1937, Vargas
implanta o Estado Novo. A ditadura limita as diversidades culturais dos estados
e implanta a cultura da identidade nacional, arregimentada pelo civismo e pelo
patriotismo. Em 30 de novembro de 1937, implanta a proteção ao patrimônio
histórico e artístico, através do Decreto-Lei nº. 25. Municípios do Brasil
organizam-se em torno da educação e destacam-se pela criação de escolas e
comemorações da Semana da Pátria. A Igreja Católica deixa de promover festas
folclóricas e passa a arrecadar fundos para investir em infraestrutura, criando
capelas e salões no interior dos municípios.
Com o fim do Estado Novo de
Getúlio Vargas (1947), retomam-se as manifestações locais. No Rio Grande do
Sul, surge o Movimento Tradicionalista Gaúcho em busca dos valores campeiros.
Em 24 de abril de 1948, é criado, em Porto Alegre, o CTG 35. Em Santo Antônio
da Patrulha, é criado o CTC Cel. Chico Borges em 20 de maio de 1958.
A partir de 1964, a Ditadura
Militar restringe as manifestações culturais, principalmente, os órgãos de
imprensa e as opiniões políticas. Santo Antônio da Patrulha é atingido pelo
êxodo rural. Jovens deixam o Município e migram, em busca de empregos, para os
arrabaldes dos grandes centros industriais (Bairro Sarandi, em Porto Alegre;
Bairro Canudos, em Novo Hamburgo; Bairro Matias Velho, em Canoas e Parque dos Anjos
e Morada do Vale, em Gravataí e, também, regiões dos municípios de Cachoeirinha
e Alvorada). Muitos desses jovens eram descendentes de agricultores da antiga
Colônia de Vila Nova.
Na década de 1960, o turismo e a
cultura começam a despertar no Município. Fato que merece registro é a criação
do primeiro setor público destinado para um seguimento cultural, a Biblioteca Pública
Municipal (criada em 04.08.1958 e instalada em 30.09.1966). O Município passa a
ser divulgado como “a Terra dos Canaviais” em folders turísticos. Destaque
dessa época foi à realização da Festa Rainha dos Estudantes do Vale dos Sinos e
Festa da Cana (30.09.1967). Na
organização dos jovens, a criação da Boate Manifesto foi o sucesso do momento.
Nos anos 70, a
administração Pública Municipal preocupou-se com a criação de um Museu para
guardar a memória da população. Em 30 de dezembro de 1974, foi criada a
Fundação Museu Antropológico Caldas Júnior, homenagem ao fundador do Correio do
Povo que residiu em Santo Antônio da Patrulha quando era criança. Em 14 de
outubro de 1982, foi aberto à comunidade. Também, o turismo passa a ser
trabalhado com folder turístico, enfocando os usos, os costumes, as tradições,
a cultura e a economia. No universo educacional, a realização da EXFEPA –
Exposição Feira Patrulhense, em 1974 e, também, o concurso para a Criação da
Bandeira e do Hino de Santo Antônio da Patrulha. Nas ondas da literatura e da
história, a publicação da pesquisa do Padre Ruben Neis “Guarda Velha de Viamão
– no Rio Grande Miscigenado surge Santo Antônio da Patrulha” EST/Sulinas, 1975.
A partir da publicação desse livro, a história da formação do município ficou
conhecida e ao acesso de todos.
Para que se tenha uma ideia mais
precisa de Santo Antônio da Patrulha, na década de 1970, reproduzimos aqui o
depoimento coletado em relatório do Clube de Jovens da UESCO, com o título de “Santo
Antônio da Patrulha – Um Município em Conflito”.
“(...) É uma cidade pacata demais
para o seu tamanho, transmitindo a seus habitantes uma natural passividade. As
horas de lazer dos patrulhenses são subestimadas. Gastam seu tempo livre com
passatempos de pouco valor recreativo como “bate papos” em casa de amigos,
bares ou nos clubes onde grande parcela aproveita para jogar cartas (...)”.
Com a
reorganização administrativa do setor público, a cultura passa a aparecer,
oficialmente, como setor criado dentro da Prefeitura Municipal. Ligada à pasta da educação e paralela ao
setor esportivo, a politica cultural assume carácter de compromisso público do
Município.
Lei n• 1.393/77 de 10 de agosto
de 1977, organização administrativa da Prefeitura Municipal de Santo Antônio da
Patrulha (,) Secção 3 - Secretaria Municipal de Educação e Cultura (...).
Art. 54 – a Secretaria de Educação e Cultura é o órgão responsável pelas
atividades relativas à educação e cultura do Município; à instalação e
manutenção de estabelecimentos municipais de ensino; à manutenção da Biblioteca
Pública Municipal; à elaboração de execução de programas desportivos e
recreativos para maior desenvolvimento do esporte nas suas diversas
modalidades; à manutenção de cursos de caráter profissional e semi profissional
e à difusão cultural em geral.
Art.
55 – A Secretaria de Educação e Cultura compõe-se das seguintes unidades:
I –
Serviços de Ensino;
II –
Serviços de Promoções Culturais e Esportivas;
III –
Serviço de Merenda Escolar;
IV –
Biblioteca Pública Municipal.
No início da década de 1980,
buscou-se valorizar os produtos típicos de Santo Antônio da Patrulha (cachaça,
sonho, rapadura e melado) como produtos turísticos e, também, a arte e o
artesanato local, ponto alto para a firmação dos valores folclóricos, como as
Cavalhadas, os Ternos de Reis e o Baile de Masquê. Nesse período, a sociedade
insere-se na organização de eventos públicos, focados na cultura, mas com
amplitudes para o turismo. Exemplos: 1º Festival do Sonho (1983) e 1ª Moenda da
Canção Nativa (1987). Houve preocupação, ainda, em divulgar o produto turístico
na comunidade local, com a reprodução dos pontos turísticos e das manifestações
folclóricas nas capas dos carnês IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Publicação histórica para o Município foi o livro
“Reminiscência de Minha Terra – Santo Antônio da Patrulha”, de José Maciel
Júnior (Juca Maciel) EST, 1989, que, desde a década de 1950, dedicava-se a
publicar, na imprensa local e regional, os registros de suas pesquisas
históricas.
Com a cultura destacada,
sentiu-se a necessidade de oferecer à população alternativas de lazer e
atividades que ocupassem, principalmente, a juventude. Para isso, a iniciativa
privada desenvolve um importante papel com a criação de bares e danceterias. Em
alta no Estado do Rio Grande do Sul e, especialmente, no gosto popular, estavam
os conjuntos musicais os Atuais, Champion, Miramar Show, Flor da Serra, Os
Lucianos, Os Bertussi, etc.. Muitas noites de sábado foram animadas ao som
dessas e de outra bandas. Como exemplos, citamos o Salão Cartucho, Salão
Carvalho, Salão Sabiá e Clube Independência. Para incrementar esses bailes,
realizavam shows com cantores nacionais. Entre os que por aqui passaram,
podemos citar: Ovelha, Perla, Giliard e Warderleia.
A
partir dos anos 90, a busca dos valores históricos foi o destaque nas promoções
dos eventos e projetos desenvolvidos no Município. Buscou-se o reconhecimento
da identidade luso-açoriana na cultura, por meio da arquitetura, da
gastronomia, das artes, do artesanato e do folclore. Criação, também, de novos
setores. Na esfera pública, a Sala Açoriana e, na esfera privada, a organização
das instituições APAAR (Associação Patrulhense de Artistas e Artesãos) e Grêmio
Literário Patrulhense. A atuação desses setores resultou em ações que, até
hoje, são destaques no cenário cultural de Santo Antônio da Patrulha. Exemplos:
Arte na Praça, Poesia na Praça, Antologia dos Poetas Patrulhenses, 1º Raízes –
Encontro dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha, abertura da
Moenda da Canção, de festival de música nativista, para festival de música e Festa
da Cachaça, do Sonho e da Rapadura. O reconhecimento do trabalho na área da
cultura foi tão grande, na década de 1990, que levou a administração pública
municipal a criar uma secretaria específica para a cultura, ligando-a a outros
setores de turismo e esportes (Lei Municipal nº 265793, de 14 de julho de
1993).
Ao iniciar o século XXI, a
cultura de Santo Antônio da Patrulha já possuía uma grande dimensão de ações e
promoções que a fora definido e construindo ao longo de todos esses anos.
Reconhecível que recebemos influências de índios, luso-açorianos, africanos e
espanhóis durante o período de formação e ocupação do Rio Grande do Sul (século XVII), e de
alemães, italianos, poloneses, austríacos, húngaros e japoneses no
período de construção e firmação do país (Séculos XIX e XX). As influências dessas
etnias são facilmente percebíveis na música, no teatro, na dança, no
folclore, na história, na memória, no patrimônio histórico, na literatura, nas
artes / artesanato, no tradicionalismo e em tudo que, genuinamente, forma a
alma do cidadão patrulhense.
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